Quatro em cada dez ciclistas da Volta a Portugal não aplicam protetor solar e 78 por cento treinam nas horas de maior calor. A Associação de Cancro Cutâneo (APCC) alerta os atletas de desporto ao ar livre para os riscos que correm. O fundista Paulo Guerra, por exemplo, abandonou a alta competição quando soube que tinha cancro.
A APCC realizou em agosto de 2009 um inquérito aos ciclistas sobre os antecedentes de exposição solar durante a prática do ciclismo. A corrida decorreu de 5 a 16 agosto, num percurso de dez etapas, num total de 1601 quilómetros, e o estudo ocorreu no final da nona etapa.
Dos 102 inquiridos, 64 responderam a 25 questões sobre a hora e o tempo de duração dos treinos e competições, o tipo de proteção que usavam (protetor solar, capacete, vestuário) e a sua história clínica.
Segundo o inquérito, cujos resultados são hoje divulgados, 78 por cento dos participantes realizavam os treinos e competições entre as 11h00 e as 17h00 e 98 por cento das provas e treinos tinham uma duração entre três a cinco horas.
O uso de protetor solar e as queimaduras
O estudo indica que 58 por cento dos ciclistas aplicavam regularmente protetor solar. Destes, 43 por cento aplicavam 30 minutos antes e 40 por cento imediatamente antes. Apenas oito por cento reaplicavam.
A maioria dos ciclistas (72 por cento) usava vestuário que não cobria os braços e antebraços, 87 por cento usavam óculos escuros e 64 por cento contaram que já tinham sofrido queimaduras solares, sendo as mais frequentes na face (sobretudo o nariz), braço e antebraço.
"Verificou-se uma percentagem elevada de história de queimaduras solares, o que implicará um risco acrescido de cancro da pele nestes atletas", alerta a APCC, defendendo a necessidade de fomentar o uso de capacetes com proteção frontal, vestuário que cubra antebraços e braços, protetores solares e óculos escuros.
Horários de competições e treinos
Em declarações à Lusa, o secretário geral da associação alertou para a importância de as competições e treinos serem realizados em horários com menor índice de raios ultravioleta: fazer desporto ao ar livre, sem proteção solar adequada, contribui para o envelhecimento precoce e constitui um risco aumentado de cancro da pele.
"Não estamos contra o desporto. Devemos caminhar, fazer as nossas corridas, mas com boa proteção, a horas adequadas para que não seja mais um fator de risco para a população", disse Osvaldo Correia, aconselhando: "Se a pessoa não pode ter outra hora, procure as sombras ou os parques de jardim, mas sobretudo proteja-se com a roupa e chapéu".
Alerta para o cancro de pele
Para alertar para os riscos do cancro cutâneo, a APCC vai realizar o Dia do Euromelanoma, a 26 de maio.
Nessa altura haverá uma campanha de sensibilização para as crianças que vão, em breve, para férias escolares e campanhas dirigidas aos atletas de desporto ao ar livre, sejam eles amadores ou profissionais.
A APCC estima que surjam este ano em Portugal mais de 10 mil novos casos de cancro da pele e, destes, mais de 1000 serão novos casos de melanoma. O caso do fundista Paulo Guerra
Quando descobriu que tinha cancro de pele, Paulo Guerra abandonou a alta competição. O fundista internacional dedica-se agora a alertar atletas de desporto ao ar livre para os riscos que correm ao treinar e competir sem proteção.
Ciclistas, atletas de triatlo, atletismo, golfe, ténis, voleibol ou futebol de praia são exemplos de atletas que estão frequentemente expostos ao sol durante várias horas e muitas vezes em horários de risco
Grupo de risco
"Vários estudos confirmam um maior número de queimaduras solares, nestes atletas, tornando-os um grupo de risco acrescido para o cancro da pele", alerta a Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC), a propósito do Dia do Euromelanoma, que se assinala a 26 de maio.
Paulo Guerra, 39 anos, foi um desses casos, como contou à agência Lusa: "Eu corri durante 20 anos sem proteção de vestuário, nem protetor", disse o internacional português, natural de Barrancos, que se destacou ao vencer vários campeonatos europeus de corta-mato.
Protecção
Quando chegava o tempo de calor, muitas vezes nem vestia camisola. "Eu sou uma pessoa de pele clara, mas nunca liguei. Não tomava medidas para me proteger", lamenta.
"A falta de informação e pensar que as coisas más só acontecem aos outros" também contribuíram para a falta de cuidados quando treinava e competia.
Mas o aparecimento do cancro de pele foi "100 por cento descuido", conforme faz questão de sublinhar.
O alerta de que tinha um sinal com uma "configuração e cor diferente" nas costas foi dado pela irmã. Como "não tinha qualquer sintoma", Paulo Guerra foi adiando a ida a uma consulta, até que em março de 2009 decidiu ir ao dermatologista e os "piores receios" confirmaram-se.
"Fiz uma extração do sinal para análise e, passados 15 dias, veio o pior resultado: um melanoma maligno do nível três (de um total de quatro)", conta.
Saúde, uma "opção"
Paulo Guerra superou a doença, porque a "progressão do sinal foi lenta", mas decidiu "optar pela saúde" e abandonou o desporto de alta competição, que obrigava a treinos duas vezes por dia e a usar camisolas de alças transparentes.
Atualmente faz desporto de manutenção e adota todos os cuidados para se proteger dos raios ultravioletas.
O "testemunho" ao serviço do próximo
Para alertar outros atletas para os riscos que correm, Paulo Guerra tem contado o seu testemunho: "o mais importante é darmos o nosso exemplo".
"Às vezes as pessoas não ligam muito à teoria, mas se virem um exemplo acabam por mudar o seu comportamento", salienta.
(Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.)
Com Lusa